quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Na memória e na consciência de José de Alencar

O lançamento em livro, “Cartas a Favor da Escravidão”, escritos em 1867 pelo romancista e jornalista José de Alencar, publicado pela editora Hedra, surpreende por sua posição em defesa da manutenção da escravidão no Brasil.
Indo em direção contrária as pressões internacionais, as quais forçaram o imperador D. Pedro II formular uma proposta para um prazo ao fim da escravidão, Alencar justifica que a extinção deveria ocorrer através de um processo “natural” de maturação – processo que na Europa, ele diz, levou séculos.
A instituição fora abolida no império inglês (1833), nas colônias francesas (1848) e nos EUA (1863). Somente em 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assina a Lei Áurea que extingue de vez a escravatura no Brasil.
Até a abolição, como escreve Miguel Reale Júnior, membro da Academia Paulista de Letras, em artigo publicado no O Estado de S. Paulo, pág. A2, em sua edição de 9 de outubro de 2008, “o trabalho manual era próprio dos não considerados pessoas, mas coisas, objetos comercializáveis, um componente corporal. O ser humano transformara-se, na escravidão, em força destituída de direitos, a ponto de entender o Tribunal de Apelação de Pernambuco que jovem escrava estuprada por seu dono não podia, na ação criminal, ser representada pelo Ministério Público, como pessoa miserável, pois, se era miserável, no entanto, não era pessoa”.
A psicanalista Tales Ab´Sáber, em crítica contundente a posição política de Alencar, diz: “Há muito que circula a percepção em círculos progressistas de que as elites nacionais poderiam funcionar por princípios pré-modernos em plena modernidade, diante dos quais o horizonte real de desenvolvimento social do país não é um móvel histórico forte.
A vida ideológica estável de nossa época nos impede de checarmos as concepções de mundo do poder e seu controle do corpo e destino no mundo do trabalho. Em um tempo em que todo poder emana do capital, e a crítica da violência no espaço do trabalho está vedada por princípio, apesar da virtual escravidão, a verdade é que a violência contra o trabalho continua aí, presente, configurando amplos setores da economia. No entanto, tais novos senhores do trabalho do outro estão justificados a priori.
Afinal, imensas empresas, como as grandes marcas esportivas ocidentais, não exploram também ao extremo o trabalho, até mesmo o infantil no sudoeste asiático, ao mesmo tempo em que terceirizam as responsabilidades, como se nada tivessem a ver com essa ordem de iniquilidades. Mesmo quando ganham tudo com ela?”.
Análise/livro/”Cartas a Favor da escravidão”, pág. E4, Ilustrada, Folha de S.Paulo, 9 de outbro de 2008.
Tâmis Parron, organizador do livro, escreve na introdução aos textos de Alencar que se trata de uma “provável tentativa de expurgar sua memória artística de uma posição moralmente insustentável para os padrões culturais hegemônicos desde o século 19”.
(Abel Silveira Prado)

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