terça-feira, 2 de setembro de 2008

O que ele não disse

por: Abel Silveira Prado
O artigo "O que ele não disse" do escritor e jornalista brasileiro e imortal da Academia Brasileira de Letras, Carlos Heitor Cony (14 de março de 1926, Rio de Janeiro), publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 2 de setembro de 2008, enaltece a sabedoria do Padre Vieira para sinalizar o quanto somos bloqueados à novas percepções, por causa de nosso concretismo. O artigo é ótimo e estimula a reflexão. Peço licença do autor para sua reprodução.

"O que ele não disse"
Rio de Janeiro - O maior gênio que andou por nossas terras foi o jesuíta Antônio Vieira, do qual estamos comemorando os 400 anos de seu nascimento. Imperador de nossa língua, segundo Fernando Pessoa, foi mais brasileiro do que português. Será redundante comentar sua personalidade e sua obra. Pinço apenas um pequeno trecho de um de seus sermões: "Isto foi o que Cristo disse. Atentai agora para o que ele não disse".
E vai por aí, dizendo tudo o que desejava dizer. Creio que Machado de Assis pegou este achado e fez toda a sua obra na base do que os outros, dizendo muitas coisas, muitas coisas deixavam de dizer. E ele foi o primeiro a dizer e a deixar o importante sem dizer.
No dia-a-dia do que ouvimos ou lemos em diversos veículos de comunicação (imprensa, rádio, televisão, internet, publicidade), o mais importante não é o que fica dito, mas aquilo que não é dito. Governantes, políticos, formadores de opinião, costureiros, cozinheiros, filósofos e ensaístas de todos os tamanhos e feitios costumam falar muito e não dizer nada. É desse nada que é feita a história e o mundo.
Gosto de um pequeno trecho de "Terra Desolada" (T.S. Eliot): "Que rumor é este?/ O vento sob a porta/ E que rumor é este agora?/ Que anda o vento a fazer lá fora?/ Nada. Como sempre, nada" (Tradução de Ivan Junqueira).
Segundo a lição de Vieira, devemos estar sempre atentos para tudo aquilo que não é dito. No fundo, é o que realmente conta. Daí que paro por aqui, na desvairada ilusão de que atentarão para aquilo que não ficou dito. E, mesmo que ninguém atente para o dito ou para o não dito, o resultado é o mesmo: nada.
PS - Depois dessa, o cronista saúda o povo e pede passagem para necessárias férias. Atentai para o que ele não disse.
Atentai
Breve resumo sobre o Padre Antônio Vieira
No ano em que celebra os 400 anos do nascimento do Padre Antônio Vieira (1608-1697), considerado imperador da língua portuguesa pelo poeta Fernando Pessoa, uma série de livros registram a importância do religioso em nosso país. Vieira viveu entre sua terra natal e o Brasil.
Uma das principais obras é "História de Antônio Vieira", de João Lúcio de Azevedo. Nela, o autor transcreve os sermões de Vieira - os quais atraiam um grande público, e, também, sua bibliografia, na qual consta um dos primeiros textos do religioso, em que ele descreve a invasão holandesa do litoral da Bahia, em 1624, quando tinha apenas 16 anos. Este texto, escrito dois anos mais tarde, era o relatório anual que a Companhia de Jesus enviava a Roma e já é prova da clareza e retidão de linguagem de Vieira.

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